Eu ainda não tinha reparado bem como estão mudadas as mãos da minha mãe. Foi quando ela segurava pela cintura para colocar no colo a netinha duma amiga, no banco em frente da nossa casa, que pude ver, com mais vagar, o grau da transformação imposta pelo andejar do tempo. Natural que tenham perdido o viço de antigamente, pois também as mãos envelhecem, como tudo que está grudado no corpo, à conta de derme e epiderme. Mas continuo com a nítida impressão de que elas ficaram mais comoventes com o passar dos anos. Aquele emaranhado de veias saltadas, escurecidas, e alguns dedos entortados pelo reumatismo, que avança feito motossera esfomeada em direção ao frondoso arbusto, são hoje uma pungente fotografia do que a minha mãe passou para proteger os seus filhos das zangas do mundo. Esse mundo que não costuma levar para compadre quem dele zomba ou se descuida. O mesmo mundo que nos prometeu tanto lá nos verdores da infância e acabou nos dando quase nada no fim da vida.
Ganhei dos amigos uma certa reputação de cronista. Nem isso! O que tento no Diário é ordenar pensamentos desfiados. Talvez busque apenas compartilhar com a seleta associação protetora a minha irremediável teimosia de verbalizar alguma emoção. Dessas que a gente sente, mas não consegue tirar de dentro, e muito menos colocar no papel. É coisa de quem tem muito pouco a oferecer de concreto para ajudar na travessia deste vale profano e incauto, quando for preciso secar uma lágrima ou revelar um adeus.
Agora se, por um dia, um único e breve dia, fosse contemplado pelo dom dos alexandrinos, não titubearia em traduzir os mistérios das mãos de minha mãe. Tentaria explicar, com os mais belos versos, o milagre do seu toque, a maciez da sua quietude. É impressionante como tem a força de o obscuro clarear, fazer toda a insensatez se tornar coerência. Se alguém me questionar o que tenho, de tudo, nesta vida, e de que mais eu preciso, direi: das mãos de minha mãe sobre as minhas...